Fazíamos o mesmo trajeto de manhã, a pé, até o colégio. Uma pessoa de extremos, ou bem humorada, ou quieta. Mal humorada ela nunca chegou a ser (que eu me lembre) pois a inteligência não a deixava.
Ela havia sofrido uma transformação radical e quando vi uma foto do RG dela, depois de rir muito, percebi que realmente os programas de "antes e depois" podem ser reais. Mas a mudança nesse caso foi por conta dela mesmo e eu sempre fiquei intrigada como foi feita a tão importante decisão. Ela era gorda, usava o óculos mais fundo de garrafa que existia no mundo, não sabia se vestir e era excluída da sociedade. Que eu me lembro (de novo) ela disse que um dia cansou de ser gorda e fez um regime. E realmente essa nunca mais engordou! Os óculos melhoraram e o estilo também.
Uma época trocávamos cartas via correio (sim, nós íamos na mesma agência de correios e enviávamos cartas uma para a outra sendo que morávamos em frente) e em uma delas, ela dizia que tinha que se ler O ESTADÃO para ter conteúdo.
Ela era a única aluna do Objetivo que prestava atenção nas aulas com afinco e com ela eu comecei a achar bonito a gostar de estudar - e sem levar a impressão de nerd. Ela ensinava História e Geografia de uma forma que era legal aprender e por isso sempre achei que ela tem vocação para ser professora.
Marcela era tão superior às modinhas das pessoas da sua idade que não se importava de ficar o Reveillón passando roupas (e depois ainda ganhava um muque de tanta força que fazia como "do lar"). Ela era mãe da mãe dela, e do irmão também.
Eu tinha receio de ir na casa dela, pois a mãe dela era um pouco bipolar e o irmão fazia brincadeiras que me dava medo. Ela lidava com tudo isso muito naturalmente e eu achava incrível, pois ela nunca tinha feito terapia.
Entende de política mas graças a deus não fala disso sempre que tem uma conversa.
Ela não entendia nada de computador, achava que o email da BOL era para poucos privilegiados e que nunca seria uma pessoa atualizada informaticamente - hoje é.
Logo que tirou carta, ela tinha que ouvir Enya quando estacionava o carro novinho para não se stressar com a pressão - e a garagem dela realmente era bem difícil, provavelmente eu ficava mais tensa que ela. Se ela raspasse o carro também, não tinha galho.
Ela me apresentou à música mais legal do Kid Abelha "La Nouveaute" e até sabia francês - mas inglês não era mesmo com ela - hoje também é.
Ela nem sempre conversa com palavras, mas sempre é confortante tê-la por perto.
Com ela eu aprendi as vantagens de não se ter um peito grande e ela parecia um pouco complexada, mas não acho que ela colocaria silicone um dia.
Fez ciências sociais mas teve que se render aos trabalhos que pagam bem, mesmo não sendo tão interessantes e/ou exploradores (mas um dia você consegue Marchel!).
Hoje ela mora na sua própria casinha, tem marido (um pouco estranho, nunca ouvi a voz dele) e até cachorro.
E é tudo isso que faz da Marcela uma pessoa que eu gosto.